quinta-feira, 10 de junho de 2010

Vi-te chegar, vi-te no fundo do abismo e agora, mesmo tendo-te dado tudo, vais-te embora. Vais-te embora e deixas-me aqui, sozinha, sem energias. Deixa-me aqui com lagrimas a correrem pela face. Corada da raiva, corada da humilhação, corada de saudades. Quando chegaste, abri-te a minha porta. Vinhas com a roupa molhada da chuva, sem sapatos e de estômago vazio. Deixei-te entrar. Dei-te banho, alimentei-te, curei-te a alma, aconcheguei-te no meu colo, afaguei-te o cabelo e disse-te coisas bonitas. Disse-te que eras diferente, melhor e mais capaz que qualquer outra pessoa. Acho que posso mesmo atrever-me a dizer que te fiz uma cirurgia à auto-estima. Dei-te a conhecer o meu mundo, o teu possivel mundo e quando vinhas a chorar por sentires falta do antigo, abria-te de novo a minha porta e deixava que o cheiro a conforto, o calor e a amor te recarregasse as pilhas.
E em troca o que recebi? Recebi um copo partido, um forno estragado, um armário sem roupas, uma pasta de dentes gasta e sem tampa. Recebi um chão de sala cheio de beatas e latas de cerveja. Recebi uma parede amarela do fumo de tabaco em vez daquela branca com sonhos que te tinha dado.
Em troca recebi um reboliço e todo o teu lixo. Todos os teus podres, recebi os teus desesperos e as tuas angústias que me consumiam ao longo do tempo. Pensava que éramos como os pinguins, que quando encontram a sua alma-gémea, têm-na para a vida. Pensava que éramos particulares, como um par de sapatos cujo modelo é único.
Afinal de contas, que outro calor reconfortante seria melhor que o meu?
Mas não. Parece-me que me enganei. Porque agora que há outras coisas, outras pessoas, outros calores, outros sofás, outras mãos para afagar cabelos e fazer festas nas costas, fizeste-me que nem trapos. Agora que tens outra vida, aquela que eu criei para ti a partir do zero, já não queres esperar, já não queres dar-me tu energias para eu te fazer viver mais um pouco.
Agora queres ir embora.
Agora não me queres.
E agora, era eu que precisava.

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